quarta-feira, 16 de maio de 2007

Do amor e outros alimentos

"E eis que de repente
eles param
e mudos, graves,
espantados
se olham nos olhos...”

Clarice Lispector


Vivian o esperava com tapeçarias, Ilha-de-madeira sobre a mesa, lustres, mármores e brilhantes, e Leandro só queria pão. Desenfreados, os ponteiros giravam no relógio. A hora se aproximava, e ele, sufocado pela gravata, trocava de roupa pela quinta vez.
No caminho passou por uma floreira na janela de uma casa. Decidiu roubar uma margarida e levar para Vivian. Não conseguia conter a ansiedade de revê-la. Como era linda! A pele branca e suave, os olhos amendoados e expressivos, a boca delicada e convidativa o faziam perder o sono. Há dias que não pensava em mais nada, só nela.
Tocou a campainha. O empregado abriu a porta e pediu que entrasse. Parou no corredor e ficou a espera de Vivian. Não sabia em qual porta entrar ou qual corredor seguir, e, mesmo que soubesse, não conseguiria se mover.
Vivian desceu as escadas, deslumbrante em seu vestido branco até o joelho com flores vermelhas bordadas na barra. Os cabelos presos mostravam os ombros brancos, macios e delicados. Leandro deu a ela a margaridinha roubada. Vivian agradeceu e colocou-a num vaso junto com outras tantas flores.
Entraram em uma das portas e saíram numa sala enorme, cheia de sofás, tapetes, cristaleiras e quinquilharias antigas. Sentou-se no sofá mais próximo da porta, sentia-se mais seguro. Ela serviu então um de seus licores. Leandro virou o cálice e tomou num só gole. Não conseguia saboreá-lo.
Foram para a sala de jantar. Sentiu-se inseguro diante de tantos talheres, não sabia como usá-los. As taças eram de cristal e as louças eram de porcelana compradas em um antiquário em Hangzhou, e ele nem sabia onde ficava Hangzhou .
Levantou-se da mesa e olhou-a. Sentiu vontade de ir embora, apesar de deseja-la mais que tudo, mas achou que seria deselegante. Perguntou onde era o banheiro para disfarçar. Quando voltou encontrou Vivian sentada na sala escolhendo um CD para embalar o restante da noite. Leandro sorriu por dentro. Imaginou que seria uma ótima oportunidade para tomá-la nos braços e beijá-la. Ao invés disso foi tomado por um sentimento de impotência quando ela disse que não sabia dançar e colocou logo uma melodia nada romântica. Ficaram ali sentados, conversando futilidades.
Uma hora depois Vivian delicadamente sugeriu que era tarde. Leandro afrouxou a gravata e saiu meio sem rumo observando como aquela noite estava bela. No céu a ausência da lua dava lugar ao brilho das estrelas. Aquela era Vivan! Linda, deus, como era linda! Como a desejava! Sonhava com suas belas mãos brancas acariciando suas costas e afagando-lhe a nuca. A boca delicada sussurando doces palavras em seus ouvidos e beijando carinhosamente sua testa.
Decidiu ir embora pra casa. Lá, na companhia de uma boa música, poderia pensar no que fazer com relação aos seus sentimentos por ela.
Quando chegou no pequeno quarto da rua Rocha Faria resolveu tirar o terno e tomar um banho.
Ali bem perto alguém também chegava em casa incomodada com o sapato de salto agulha. A moça olhou para um vaso de belas rosas vermelhas na mesinha da sala e desejou que houvesse ali apenas uma margarida roubada de algum jardim alheio. Flor roubada tem mais valor, envolve um certo ato de heroísmo. Caminhou para o quarto e sentiu-se aliviada ao tirar os sapatos e o vestido de noite. Sentiu vontade de comer um chocolate. Olhou no relógio e era cedo, a padaria do seu Carlos ainda estava aberta. Colocou sua velha calça xadrez e foi comprar chocolate.
Leandro passou alguns minutos sem roupas esperando passar a coceira. Maldita coceira era aquela que ele tinha depois do banho. Resolveu fumar um cigarro e viu que só havia um último no maço. Olhou no relógio e era cedo, a padaria do seu Carlos ainda estava aberta. Colocou sua velha calça xadrez e foi comprar cigarros.
Na padaria encontrou a moça do chocolate. Não falaram uma única palavra, apenas se olharam e trocaram um sorriso de cumplicidade. E como as pessoas se enganam nos sentidos do olhar, sobretudo no princípio, Leandro voltou pra casa pensando em Vivian e a moça do chocolate pensando no moço das rosas vermelhas.
Ao chegar em casa a moça foi direto pra cama e adormeceu. Durante o sono sonhou que alguém lhe dava uma margaridinha roubada, mas não era o moço das rosas vermelhas, era o moço do cigarro.
Leandro ainda resolveu fumar um cigarro antes de se deitar. Quando foi pra cama ficou rolando até que adormeceu. Acordou e sentiu alguém sussurando palavras doces em seus ouvidos, acariciando suas costas, afagando sua nuca e beijando sua testa. Mas não era Vivian, era a moça do chocolate. Deixou-se ficar ali e adormeceu novamente.
Pela manhã ambos despertaram com suas lembranças oníricas. Mas ao contrário dos gostares, que sabiamente existem alheios a nossa vontade, a razão desconhece os presentes da vida. Assim Leandro passou o resto do dia pensando em Vivian e a moça do chocolate pensando no moço das rosas vermelhas.

8 comentários:

Mário Liz disse...

"Pela manhã ambos despertaram com suas lembranças oníricas. Mas ao contrário dos gostares, que sabiamente existem alheios a nossa vontade, a razão desconhece os presentes da vida. "


- Este abre aspas me furou os tímpanos !


Elaine, minha mestra, amiga e minha inspiração!!! para sempre !

um grande abraço ...

Anônimo disse...

Elaine, fui sua aluna no Elit e nunca me esqueci nem das suas aulas nem de você. Passei a gostar de literatura por sua causa.
Adorei esse texto! Mostra como nós somos bobos e vivemos em busca de um amor de novela, sendo que o amor pode estar do nosso lado, é só a gente querer ver.

Grande abraço!

Anônimo disse...

Profe, lendo esse texto me lembrei de sua aula no cursinho sobre o grande sertão veredas. Vc disse q mesmo sabendo o fim do livro tinha vontade de mudar, queria q o Riobaldo não fosse tão besta e q a Diadorim não morresse no final. Senti a mesma coisa com os seus persongens, queria q eles não fossem tão tolos...

Vivian disse...

Meu Zeus!!! O que é isso!!!! Sem comentários...rs

leandro disse...

O Conto em si não, mas o fato de ve-lo logo de cara no blog sim, e os comentários sem dúvida...

Anônimo disse...

Capitolinda. Bom que retomou as escrivinhanças. Bom tb que retomou o Blog. Sinto sua falta e lê-la me deixa mais perto de ti. Aqui estamos na primavera, mas como vc bem sabe, com cara de inverno. A vantagem é que há tulipas por toda parte e as árvores começam a ficar verdes e cheias de brotos mostrando o quão forte é a vida.
Lindos textos, em especial esse. Assim como a Maíra gostaria de mudar o final. Pra mim a Vivian deveria conhecer o moço das rosas vermelhas e ficar com ele, e os outros dois ficarem sozinhos, fumando e comendo chocolate pelo resto da vida...

Beijos minha tulipa!!!

Anônimo disse...

Impossível não comentar o comentário do Fabio.
Sagaz, irônico, sarcástico e até mesmo cruel. Diz tudo!!!

Anônimo disse...

Se o poeta Mário Liz me permite uma quase cópia:

" E como as pessoas se enganam nos sentidos do olhar, sobretudo no princípio..."

- Este abre aspas me furou os tímpanos!